A crença em anjos no Novo Testamento
Os cristãos não eram o único grupo do
primeiro século que acreditava na existência de anjos. A maioria das
seitas do judaísmo, berço do cristianismo, pro-fessava a crença nesses
mensageiros celestes, á exceção provável dos saduceus (At 23.8). 0
interesse dos judeus por anjos havia crescido de forma notável durante o
período intertestamentario, quando o segundo templo foi construído,
após o retorno do cativeiro babilônico. É provável que esse aumento de
interesse pelos anjos tenha ocorrido como resultado da ênfase nesse
período á idéia de que Deus havia se distanciado do seu povo, já que não
havia mais profetas. A ausência de profetas, os mensageiros oficiais de
Deus ao seu povo, provocava a necessidade de outros mediadores da
vontade divina. Os anjos vieram ocupar esse espaço no judaísmo do
segundo templo. 0 aumento do interesse pelo mundo celestial e pelos seus
habitantes, os anjos, nota-se nos escritos judaicos produzidos antes ou
logo após o nascimento do cristianismo. Exemplos desta tendência se
percebem em alguns livros apócrifos (4 Esdras 2.44-48; Tobias 6.3-15; 2
Macabeus 11.6). 0 mesmo se vê em alguns dos escritos dos sectários do
Mar Morto achados nas cavernas do Wadi Qumran, como o rolo da Batalha
entre os Filhos das Trevas e os Filhos da Luz. Alguns dos escritos
produzidos pelo movimento apocalíptico dentro do judaísmo, mais que os
escritos de outros movimentos, enfatizava o ministério dos anjos (1
Enoque 6. 1 ss; 9. 1 ss), 0 interesse pelos anjos se nota até mesmo nos
escritos rabínicos datados a partir do século III (com exceção do
Mishnah), e que possivelmente representam a linha principal do judaísmo
no período do segundo templo.
Fora das fronteiras do judaísmo, a crença em
anjos, encontrava-se não somente nas religiões que fervilhavam no mundo
greco-romano, mergulhado no misticismo helênico, como também nas obras
dos filósofos e escritores gregos famosos, como Sófocles, Homero,
Xenofonte, Epicteto e Platão. A biblioteca de Nag Hammadi, descoberta em
nosso século (1945) nas areias quentes do deserto egípcio, apresenta
material gnóstico datando do século IV, com uma elaborada angelologia,
onde a distância entre Deus e os homens é coberta por trinta "archons",
seres intermediários, possivelmente anjos, que guardam as regiões
celestes. Os "Papiros Mágicos" desta coleção contém fórmulas para atrair
os anjos. Embora datando do século IV, estes escritos possivelmente
refletem crenças que já estavam presentes de forma incipiente no mundo
greco-romano desde antes de Cristo. Em contraste aos escritos produzidos
cm sua época, a literatura do Novo Testamento é bem mais discreta e
reservada em seus relatos da atividade angélica.
As palavras mais comuns para "anjos" no Novo Testamento
A palavra mais usada no Novo Testamento para
"anjo" é aggelos, que é a tradução regular na Septuaginta da palavra
hebraica Mala'k. Ambas significam 'mensageiro". Aggelos é usada umas
poucas vezes no Novo Testamento para mensageiros humanos, como por
exemplo os emissários de João Batista a Jesus (Lc. 7.24; veja ainda Tg
2.25; Lc 9.52). Na maioria esmagadora das vezes, a palavra refere-se aos
mensageiros de Deus, que povoam o mundo celeste e assistem em sua
presença. Aggelos é usada tanto para anjos de Deus quanto para os anjos
maus.
Existe outro termo no Novo Testamento para
se referir aos anjos, o qual só Paulo emprega: "principados e
potestades". Em duas ocasiões é usado em referência aos demônios (Ef
6.12; Cl 2.13) e em três outras aos anjos de Deus (Ef 3.10; Cl 1.16; 1
Pe 3.22). Em todos os casos, refere-se ao poder e á hierarquia que
existe entre esses espíritos. Uma outra palavra usada no Novo Testamento
para anjos e pneuma, geralmente no plural (pneumata), que se traduz por
espíritos". Embora o termo seja empregado geralmente para os anjos maus
e decaídos (quase sempre qualificado pelo adjetivo "imundo", cf. Mt
12.43; Lc 4.36; At 8.7), é usado pelo menos uma vez para os anjos de
Deus, como sendo "espíritos administradores" (Hb 1. 14). Alguns
estudiosos têm sugerido que "espíritos" também se refere a anjos em
outras passagens onde a palavra pneumata aparece, como por exemplo 1 Co
14.12. Neste versículo o apóstolo Paulo aprova e incentiva o desejo dos
membros da igreja por pneumata, expressão quase que universalmente
traduzida como "dons espirituais", devido ao contexto. De acordo com E.
Earle Ellis, Paulo, na verdade, não se refere a dons espirituais, mas
aos anjos que estavam presentes aos cultos (1 Co 11. 10). Sua tese é que
existe uma relação estreita entre as manifestações sobrenaturais que
estavam acontecendo na igreja de Corinto e o ministério angélico. Tais
manifestações, ou parte delas, não eram produzidas pelo Espírito Santo, e
nem também por espíritos malignos, mas por estes espíritos bons. Outras
passagens onde "espíritos" significa "anjos", segundo Ellis, são 1 Co
14.32; 1 Jo 4.1-3; Ap 22.6.1(1). Embora esta sugestão seja interessante e
provocativa, fica difícil ver como "espíritos" produtores de dons
espirituais se encaixam no contexto de 1 Co 14.12 e no ensino de Paulo
de que os dons são dados pelo Espírito Santo. 0 uso de pneumata em 1 Co
14.12 (bem como nas demais passagens mencionadas acima) pode ser
explicado á luz de 1 Co 12.7, onde Paulo afirma que há diferentes
manifestações do Espírito Santo. Ou seja, o mesmo Espírito manifesta-se
de formas diferentes através de pessoas diferentes. Paulo refere-se a
estas manifestações como "espíritos". Elas eqüivalem aos dons
espirituais. E difícil admitir que Paulo aprovaria um desejo dos crentes
de Corinto de buscar estas entidades celestiais.
Anjos através dos livros do Novo Testamento
A presença e a atividade de anjos
registradas nos evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) indicam
invariavelmente a intervenção direta de Deus. Como mensageiros fiéis de
Deus, que têm acesso a presença divina (Lc 1. 19; cf 12.8; Mt 10.32; Lc
15.10), a visita ou a intervenção de um deles eqüivale a uma
manifestação divina. A encarnação e o nascimento de Jesus foram marcados
pela presença de anjos, indicando a participação direta de Deus no
nascimento do Messias (Mt 1.20; 2.13,19; Lc 1 . 11; 1.26-38). Embora os
evangelhos não registrem quase nenhuma participação direta dos anjos
assistindo a Jesus em seu ministério (o que poderia ter ocorrido, se
Jesus quisesse, Mt 26.52), os anjos acompanharam o Senhor e se
rejubilaram a medida em que pecadores se arrependiam (Lc 15.10). As
poucas vezes em que se manifestaram visivelmente tinham como propósito
demonstrar que Ele era amado e aprovado por Deus (Mt 4.11; Lc 2143). Os
anjos ainda participaram da sua ressurreição, da anunciação ás mulheres,
e da anunciação aos discípulos de que Jesus havia de voltar (Mt 28.2-5;
At 1.9-11). E o próprio Jesus também mencionou varias vezes que os
anjos participariam) da sua segunda vinda e do Juízo final (Mt 13.4 1;
16.27; 24.3 l).
Embora nos evangelhos a atividade dos anjos
praticamente se concentre em tomo da pessoa de Jesus, ele mesmo menciona
uma atividade deles relacionada aos homens, "cuidado para não
desprezarem nenhum destes pequeninos. Eu afirmo que os anjos deles estão
sempre na presença do meu Pai que está no céu" (Mt 18. 10, NVI). Aqui
Jesus fala do cuidado vigilante de Deus pelos "pequeninos ', através dos
anjos. A quem Jesus se refere por pequeninos" tem sido debatido pelos
estudiosos, já que o termo pode ser tomado literalmente (crianças) ou
figuradamente (os discípulos). Talvez a última possibilidade deva ser a
preferida, já que Jesus usa regularmente pequeninos" para se referir aos
discípulos, cf Mt 10.42; 18.6; Mc 9.42; Lc 17.2. Qualquer que seja a
interpretação, a passagem não está ensinando que cada crente ou criança
tem seu próprio "anjo da guarda", como era crido popularmente entre os
judeus na época da igreja primitiva. Fazia parte desta crença que o anjo
guardião" poderia tomar a forma do seu protegido (cf. At 12.15). Jesus
está ensinando nesta passagem que Deus envia seus anjos para assistir
aos "pequeninos", e que, portanto, nós não devemos desprezar estes
"pequeninos". Esse ministério angélico para com os "pequeninos" faz
parte do cuidado geral que os anjos desempenham, pelo povo de Deus (cf.
SI 9 1.11; Hb 1. 14; Lc 16.22). A passagem, portanto, não deve ser
tomada como suporte á crença popular em "anjos da guarda".
E importante notar que o Evangelho de João
faz pouquíssimas referências á atividade dos anjos, embora, segundo
João, Jesus tenha dito aos seus discípulos, no início do seu ministério,
que eles veriam, os anjos subindo e descendo sobre si (Jo 1. 5 1 ).
Possivelmente esta passagem não deva ser entendida literalmente no que
se refere aos anjos, mas apenas como uma alusão ao sonho de Jacó (Gn
28.12) e ao seu cumprimento na pessoa de Cristo (unindo o céu á terra).
No relato de João das boas novas, os anjos só revelam a sua presença ao
lado da sepultura de Jesus (Jo 20.12)(2).
Estes fatos indicam que as aparições
angélicas durante o período cm que Jesus esteve presente fisicamente
entre nós foram relativamente poucas, e quase todas associadas com o seu
nascimento, ministério, morte e ressurreição. Era conveniente que a
vinda do Filho de Deus ao mundo fosse marcada por esta atividade
angélica especial.
Apesar de a narrativa do livro de Atos abranger um período marcado por intensa manifestação sobrenatural, que foi o nascimento da igreja cristã, as aparições angélicas registradas pelo autor são relativamente poucas. Não há aparição de anjos em grupos, á exceção dos dois homens em vestes resplandecentes no local da ascensão (At 1. 10- 11). Nas intervenções angélicas, é sempre um único anjo que aparece, o qual é chamado de "um anjo do Senhor" (At 5.19; 8.26; 12.7,15) ou "um anjo de Deus" (10.3; 27.23). A expressão "anjo do Senhor" não tem. em Atos a mesma conotação que no Antigo Testamento, onde ás vezes este anjo é identificado com o próprio Deus. Em Atos a expressão sempre designa um mensageiro angelical. Os anjos aparecem em Atos com a mesma função principal, que no Antigo Testamento e nos Evangelhos, ou seja, trazer uma mensagem oficial da parte de Deus (At 5.19; 10.' 10.22; 27.23). A isto se acresce a função protetora, pois por duas vezes um anjo do Senhor libertou apóstolos da prisão (At 5.19; 12.7). Uma outra missão de um anjo foi punir o rei Herodes (At 12.23) missão esta já mencionada no Antigo Testamento (cf Ex 12.13; 2 Sm 24.17) A atividade dos anjos em Atos, além de bastante discreta, é voltada quase que exclusivamente para o progresso do Evangelho. Um ponto de grande relevância para nos hoje é que ela se concentra, em torno dos apóstolos (At 5.19; 12.7 27.23) ou dos seus associados, como Filipe (8.26). A única exceção foi a aparição á Cornélio (At 10,3). Mesmo assim ocorreu una ponto crucial do nascimento da Igreja Cristã, que foi a inclusão do gentios na Igreja. Á exceção deste caso não há registro de aparições de anjos ao crentes em geral, nem para lhes trazer mensagens de Deus, nem para protege-los, embora certamente eles estivessem ocupados em desempenhar esta última; função, provavelmente de forma não perceptível aos crentes.
Apesar de a narrativa do livro de Atos abranger um período marcado por intensa manifestação sobrenatural, que foi o nascimento da igreja cristã, as aparições angélicas registradas pelo autor são relativamente poucas. Não há aparição de anjos em grupos, á exceção dos dois homens em vestes resplandecentes no local da ascensão (At 1. 10- 11). Nas intervenções angélicas, é sempre um único anjo que aparece, o qual é chamado de "um anjo do Senhor" (At 5.19; 8.26; 12.7,15) ou "um anjo de Deus" (10.3; 27.23). A expressão "anjo do Senhor" não tem. em Atos a mesma conotação que no Antigo Testamento, onde ás vezes este anjo é identificado com o próprio Deus. Em Atos a expressão sempre designa um mensageiro angelical. Os anjos aparecem em Atos com a mesma função principal, que no Antigo Testamento e nos Evangelhos, ou seja, trazer uma mensagem oficial da parte de Deus (At 5.19; 10.' 10.22; 27.23). A isto se acresce a função protetora, pois por duas vezes um anjo do Senhor libertou apóstolos da prisão (At 5.19; 12.7). Uma outra missão de um anjo foi punir o rei Herodes (At 12.23) missão esta já mencionada no Antigo Testamento (cf Ex 12.13; 2 Sm 24.17) A atividade dos anjos em Atos, além de bastante discreta, é voltada quase que exclusivamente para o progresso do Evangelho. Um ponto de grande relevância para nos hoje é que ela se concentra, em torno dos apóstolos (At 5.19; 12.7 27.23) ou dos seus associados, como Filipe (8.26). A única exceção foi a aparição á Cornélio (At 10,3). Mesmo assim ocorreu una ponto crucial do nascimento da Igreja Cristã, que foi a inclusão do gentios na Igreja. Á exceção deste caso não há registro de aparições de anjos ao crentes em geral, nem para lhes trazer mensagens de Deus, nem para protege-los, embora certamente eles estivessem ocupados em desempenhar esta última; função, provavelmente de forma não perceptível aos crentes.
O apóstolo Paulo é bastante ponderado no que
escreve sobre os anjos, se com parado com outros autores religiosos não
cristãos da sua época. Ele emprega a palavra aggelos apenas catorze
vezes em suas treze cartas. Ele se refere aos anjos de Deus, não tanto
como mensageiro: celestes ou protetores dos crentes, mas como
participantes do progresso do plano de Deus neste mundo, que
participaram da entrega da Lei no Sinai (G1 3.19) e que virão com Cristo
para executar juízo sobre a humanidade (2 Ts 1.7). Estes são os "anjos
eleitos", que assistem diante de Deus (I Tm 5.2 1; cf. Gl 4.14). Uma
possível explicação para a atitude reservada de Paulo é que, para ele, o
Senhor Jesus, é a manifestação suprema de Deus, que suplanta todas as
demais, diante das quais as manifestações angélicas perdem em
importância e relevância (Ef 1.21; Cl 1. 16; cf. Hb 1. 1-2). Em nenhum
momento Paulo menciona em suas cartas encontros angélicos que porventura
teve, nem encoraja os crentes a buscar tais encontros. Some-se a isso a
preocupação que demonstra em suas cartas com aparições e visões de
anjos. 0 apóstolo teme que anjos caídos, passando-se por anjos de Deus,
manifestem-se em visões com o
alvo de enganar os crentes. Ele menciona a possibilidade de que um anjo do céu venha pregar outro evangelho (G1 1. S), e que Satanás apareça dissimulado de "anjo de luz" (2 Co 11.14). Ele alerta aos crentes de Colossos a que não se deixem arrastar para o culto aos anjos propagado pelos líderes da heresia que ameaçava a igreja, e que se baseava cm visões (C1 2.18).
alvo de enganar os crentes. Ele menciona a possibilidade de que um anjo do céu venha pregar outro evangelho (G1 1. S), e que Satanás apareça dissimulado de "anjo de luz" (2 Co 11.14). Ele alerta aos crentes de Colossos a que não se deixem arrastar para o culto aos anjos propagado pelos líderes da heresia que ameaçava a igreja, e que se baseava cm visões (C1 2.18).
Uma passagem surpreendente sobre anjos é Gl
3.19, em que Paulo diz que a Lei de Deus foi entregue ao povo de Israel
por meio de anjos. Esse fato no é mencionado na narrativa da entrega da
Lei a Moisés no livro de Êxodo. Sua veracidade foi aceita possivelmente
durante o período do segundo templo, quando os anjos receberam cada vez
mais lugar destacado na teologia do judaísmo,. ao ponto de serem.
reconhecidos como mediadores no Sinai, na hora da entrega da Lei a
Moisés por Deus. 0 fato foi aceito como verídico por judeus cristãos
como Estêvão (At 7.53), o autor de Hebreus (Hb 2.2), e por Paulo. Só
que, enquanto que para os judeus da sua época, a presença de anjos no
Sinai era algo que exaltava a glória da Lei, para Paulo, a presença
destas criaturas era apenas um sinal da inferioridade da Lei em
comparação ao Evangelho, que havia sido trazido pelo próprio Filho de
Deus, sem mediação de criaturas.
Uma outra passagem difícil de entender nas
cartas de Paulo é a enigmática expressão de 1 Co 11. 10. "Por esta
razão, e por causa dos anjos, a mulher deve ter sobre a cabeça um sinal
de autoridade". 0 que tem os anjos, a ver com o uso do véu nas igrejas
de Corinto? A resposta está ligada a um aspecto da situação histórica
específica da Igreja de Corinto no século I, que nós desconhecemos.
Havia uma idéia estranha na época de Paulo de que Gn 6.1-2 se referia a
anjos que se deixaram atrair pelos encantos femininos (uma tradição
rabínica acrescenta que foram os longos cabelos das mulheres que
tentaram os anjos), A falta de decoro e propriedade por parte das
mulheres na igreja de Corinto poderia novamente provocá-los. 0 mais
provável é que Paulo se refira a outro conceito corrente que os anjos
bons eram guardiões do culto divino, o que exigiria decoro e propriedade
por parte de todos os adoradores. Este conceito se encaixa
perfeitamente no ensino do Novo Testamento de que os anjos observam e
acompanham o desenvolvimento do evangelho no mundo (ver Ef 3. 10, 1 Tm
5.12; 1 Pe 1. 12; Hb 1. 14).
Não há menção de anjos cm Tiago, e nem nas
três cartas de João. Pedro menciona apenas que os anjos anelam
compreender os mistérios do Evangelho (1Pe 1. 12), e que estão
subordinados a Cristo (3,22). Em Judas encontramos mais uma referência
enigmática aos anjos, desta feita cm relação ao confronto do arcanjo
Miguel com Satanás, em disputa pelo corpo de Moisés (Jd 9). Esse
incidente não é narrado no Antigo Testamento, mas aparece num livro
apócrifo que era bastante popular entre os judeus chamado A Ascensão de
Moisés. Neste livro o autor narra que, após a morte de Moisés, sozinho
no monte, Deus encarregou o arcanjo Miguel de dar-lhe sepultura. 0 diabo
veio disputar o corpo, alegando que Moisés era um assassino (havia
matado o egípcio), e que, portanto, seu corpo lhe pertencia. De acordo
com a Ascensão, Miguel limitou-se a dizer que o Senhor repreendesse os
intentos malignos de Satanás. Embora narrado num livro apócrifo, o
incidente deve ter ocorrido, e Deus permitiu que, através de Judas,
viesse a alcançar lugar no cânon do Novo Testamento.
A carta aos Hebreus menciona os anjos nada
menos que 13 vezes, 11 das quais nos dois primeiros capítulos, onde o
autor procura estabelecer a superioridade de Cristo sobre os anjos (Hb
1.4-7,13; 2.2,15,16). A razão para esta abordagem foi possivelmente a
exaltação dos anjos por parte de muitos judeus no século I. 0 autor,
escrevendo a judeus cristãos sentiu a necessidade de diferenciar a
mensagem do evangelho trazida por Cristo, e as muitas mensagens e
mensageiros angelicais que infestavam a crendice popular judaica no
século I.
E no livro de Apocalipse que temos a maior
concentração no Novo Testamento do ensino sobre anjos. É o livro do Novo
Testamento que mais emprega a palavra aggelos (67 vezes). Aqui os anjos
aparecem como agentes celestes que executam os propósitos de Deus no
mundo, como proteger os servos de Deus (Ap 7.1-3) e administrar os
juízos divinos sobre a humanidade incrédula e impenitente (Ap 8.2; 15.1;
16.1). Apocalipse está cheio das visões que o apóstolo João teve do
céu, e os anjos aparecem como habitantes das regiões celestes, ao redor
do trono divino, em reverente adoração a Deus e ao Cordeiro (Ap 5.11;
7.11), mediando ao apóstolo João as visões e as instruções divinas (Ap
1.1).
Uma questão que tem atraído o interesse dos
intérpretes é o sentido da palavra "anjo" em Ap 1.20, "os anjos das
sete igrejas" (cf Ap 2.1,8,12,18; 3,1,7,14).Alguns acham que João se
refere aos pastores das igrejas às quais endereça suas cartas, já que em
Malaquias os líderes religiosos são chamados de anjos (MI 2.7). Ou
então, aos mensageiros (aggelos) das igrejas que haveriam de levar as
cartas às suas comunidades. 0 problema com estas interpretações é que a
palavra aggelos em Apocalipse nunca é usada para seres humanos, mas
consistentemente para anjos. Por este motivo, outros, como Origenes no
século II, acham que João se refere a anjos reais, já que este é o uso
regular que ele faz da palavra no livro. Estes anjos seriam os anjos de
guarda de cada igreja a quem João manda uma carta. A dificuldade óbvia
com esta interpretação é que as advertências e repreensões das cartas
seriam dirigidas a anjos, e não aos membros da igreja. Além do mais,
fica claro pel fim de cada carta que elas foram endereçadas aos membros
das igrejas (2.7,11,17 etc). Assim, outros estudiosos têm sugerido que
"anjos" representam o estado real de cada igreja, o "espírito" da
comunidade. Esta idéia, que no deixa de ser curiosa e estranha, tem sido
adotada por alguns que defendem que igrejas têm suas próprias entidades
espirituais malignas, que se alimentam dos pecados não tratados das
mesmas(3). Fica difícil tomar uma decisão. Mas, já que é evidente que os
anjos e as igrejas são uma mesma coisa nestas passagens, a "
interpretação que talvez traga menos dificuldades é que aggelos (anjos)
se refere aos pastores das igrejas.
Anjos em batalha espiritual
Uma outra passagem cm Apocalipse que merece
destaque é a que descreve uma batalha no céu entre Miguel e seus anjos,
contra o dragão e seus anjos, onde Satanás é derrotado e lançado á terra
(Ap 12.7-9). A que evento histórico esta guerra celestial corresponde
tem sido bastante discutido. Para alguns, refere-se á queda de Satanás
no principio, quando revoltou-se contra Deus e foi expulso dos céus.
Para outros, a vitória final de Cristo, ainda por ocorrer no fim dos
tempos. 0 contexto, entretanto, parece favorecer outra interpretação, ou
seja, que esta derrota de Satanás nas regiões celestiais corresponde à
vitória de Cristo, ao morrer e ressuscitar, já que ela aconteceu, "por
causa do sangue do cordeiro" (Ap 12. 10; cf. Jo 12.3 1; 16.1 l).À
semelhança do Antigo Testamento, o Novo é igualmente reservado em narrar
estas pelejas celestiais, e limita-se a registrar dois confrontos do
arcanjo Miguel com Satanás (Jd 9; Ap 12.7-9). Não temos condições de
saber quais as razões para estes embates entre anjos, e nem quão
freqüentemente eles ocorrem no misterioso mundo celestial.
Digno de nota é o fato que Miguel, que no
Antigo Testamento aparece como guardião de Israel, surge aqui em Ap
12.7-9 como defensor da Igreja, liderando as hostes angélicas contra
Satanás e seus demônios, que procuram destruir a obra de Deus. Sua área
de ação não e mais o território de Israel, mas o mundo, onde quer que a
Igreja esteja. A constatação deste fato deveria moderar a fascinação de
muitos hoje pela idéia de espíritos territoriais, maus ou bons, que
seriam supostamente responsáveis por determinadas regiões geográficas, e
que se embatem em busca da supremacia sobre aqueles locais. É possível
que as nações ou outras regiões tenham seus príncipes angélicos, bons ou
maus, mas esta idéia não exerce qualquer função ou influência no ensino
do Novo Testamento, quanto aos anjos e á sua participação na luta da
igreja contra os "principados e potestades, contra os dominadores deste
mundo tenebroso" (Ef 6.12). Enquanto que em Daniel os principados e as
potestades aparecem relacionados com determinados territórios, no Novo
Testamento eles aparecem não mais relacionados com regiões, mas com este
mundo tenebroso. 0 conflito regionalizado do Antigo Testamento tomou
caráter universal e cósmico com a vitória de Cristo. 0 diabo e seus
príncipes malignos são vistos agora como dominadores, não de
determinadas regiões geográficas, mas "deste mundo tenebroso". E os
anjos agora servem aos servos de Deus, em qualquer região geográfica do
planeta, onde se encontrem.
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